*MINUTINHO DA HISTÓRIA JUDAICA MODERNA*
1926 – Ezrielke (O Pequeno Ezra) foi shamash (auxiliar) de uma sinagoga em Biała Podlaska, na Polônia, quase na fronteira com a Bielorússia. O sobrenome dele é desconhecido. Ele também tinha a função muito antiga e pouquíssimo documentada (não mais existente, é claro) de ‘shabes-klaper’.
Caminhava pelo bairro judaico próximo à sinagoga e dava pancadinhas na proteção de madeira das janelas, com um pequeno martelo, para avisar as pessoas que o shabat estava prestes a começar. A importância desta foto é total, pois não existe nenhuma outra, conhecida, que mostre um ‘shabes-klaper’.
Ezrielke é apelido desde criança, como Zezinho…
Eu posso imaginar, todas as semanas, dezenas de vezes, o Ezrielke: “Toc, toc, toc, a Guite Shabes!” Eu bateria três vezes, com certeza. A Guite Shabes é um bom Shabat em íidiche. Sobre os costumes judaicos que perdemos para o Holocausto e para a modernidade, este é um documento realmente único.
Eu adoro esta foto, e é claro que colorizei. Ela tem outros detalhes interessantes. A textura e o tamanho absolutamente desigual dos tijolos (alguns deles bastante compridos), a valeta próxima à casa, certamente para dar caminho à água da chuva, a marca branca da cagada de um pássaro na madeira da janela e o “chapeuzinho de judeu”, de fato um chapéu pequeno muito utilizado na Rússia imperial e na Romênia, por todos os homens. Este chapéu não oferece sombra, sua aba não protege os olhos da luz do Sol. Mas era grosso, para proteger da friagem. Os carecas sabem o que é frio na cabeça. E como existe prática judaica, mantida de cobrir a cabeça, então o chapeuzinho ia bem. Note que até meado do século 20, todos os homens usavam chapéus, não só os judeus.
Existe nos registros do rito judaico nos jornais do Rio de Janeiro, uma observação muito curiosa, de 1921: “Como são estranhos estes judeus que não tiram seus chapéus na igreja deles…” Apesar da incompreensão natural, esta frase é maravilhosa para nós.
Quando vemos as mulheres judias com lenços na cabeça, isso também é um costume geral da população campesina do Império Russo, para proteger os cabelos do Sol. Costume geral de judias e não judias.
O casacão é uma ótima imagem de um “caften”, que também não é um “casaco judeu”, e sim criado séculos antes na Turquia muçulmana, no Império Turco-Otomano. Eu tenho certeza de que, quando você leu “caften”, pensou logo em prostituição, cafetões e cafetinas. E pensou certo, mas pela informação introjetada errada. Os antissemitas do século 19, na esteira do caso Dreyfus (do qual falamos outro dia), como o coronel honorário Ferreira da Rosa, filho de prostituta açoriana e professor de catequese do colégio militar, na década de 1890, escreveu um libelo antissemita no Rio de Janeiro, chamado O Lupanar (O covil das lobas ou dos lobos). Ele fala do “povo fezes”, nós, os judeus. Afirma que o termo “caften” em relação à prostituição vem do “casaco dos judeus”, mesmo que ninguém no Rio de Janeiro usasse qualquer roupa assim, até mesmo devido ao clima. Mas a academia brasileira sempre considerou a “exposição do povo fezes” como um trabalho legítimo.
Caften no espanhol arcaico é a patente de capitão. O termo é usado até hoje no norte da Espanha. Algo muito mais lógico para quem comandava um bordel. E o termo surgiu em Buenos Aires. A palavra é a mesma, de duas origens completamente diferentes.
Biała Podlaska e Holocausto
Em 1939 havia 7.500 judeus na cidade. Quando houve a ocupação alemã, foram confinados num gueto e obrigados a trabalhos forçados (escravos) nas estradas da região. Em setembro de 1942, 1.200 judeus em melhores condições físicas foram transferidos para um campo de trabalho escravo e o gueto foi liquidado pela SS. Apenas 300 judeus de Biała Podlaska sobreviveram ao Holocausto.
por José Roitberg – jornalista e pesquisador







