Sionismo e Racismo: Desmistificando uma Acusação Recorrente

Sionismo e Racismo: Desmistificando uma Acusação Recorrente

Introdução

Poucas ideologias políticas modernas têm sido tão frequentemente mal interpretadas quanto o sionismo. De movimento de libertação nacional a suposto sistema de opressão racial, as caracterizações variam drasticamente dependendo da perspectiva. Em 1975, a Assembleia Geral da ONU chegou a aprovar a Resolução 3379, que equiparava o sionismo ao racismo – resolução esta que foi posteriormente revogada em 1991. Mas o que é, de fato, o sionismo? E por que a caracterização dele como uma ideologia racista é imprecisa tanto historicamente quanto conceitualmente?

Este artigo busca esclarecer essas questões, analisando evidências históricas, sociológicas e políticas para fornecer uma compreensão mais precisa do movimento sionista.

1. O Que é Sionismo: Definição, Origens e Objetivos

Definição e Contexto Histórico

O sionismo é, em sua essência, o movimento político que defende o direito à autodeterminação nacional do povo judeu em sua terra ancestral histórica. Formalmente articulado por Theodor Herzl no final do século XIX, o sionismo surgiu num contexto histórico específico: a persistência do antissemitismo na Europa “iluminada”, apesar das promessas de emancipação e igualdade.

Após o caso Dreyfus na França (1894), onde um oficial judeu foi falsamente acusado de traição em um processo marcado pelo antissemitismo, Herzl – até então um jornalista assimilado e cosmopolita – concluiu que a única solução para a “questão judaica” seria a criação de um lar nacional judeu. Em 1896, ele publicou “Der Judenstaat” (O Estado Judeu) e, no ano seguinte, organizou o Primeiro Congresso Sionista em Basileia, Suíça.

Objetivos do Movimento Sionista

Os objetivos do movimento sionista foram articulados no Programa de Basileia de 1897, que estabelecia:

“O sionismo busca estabelecer um lar para o povo judeu na Palestina garantido por lei pública.”

Esse programa incluía:

  • Promover o assentamento de agricultores, artesãos e comerciantes judeus na Palestina
  • Organizar e unificar o judaísmo mundial através de instituições apropriadas
  • Fortalecer a identidade e consciência judaica
  • Obter consentimento das potências quando necessário para atingir os objetivos sionistas

É crucial entender que o sionismo não é monolítico. Desde seu início, o movimento abrigou diversas correntes ideológicas:

  • Sionismo Trabalhista: enfatizava valores socialistas e cooperativistas
  • Sionismo Revisionista: defendia um estado com fronteiras mais amplas e ênfase na soberania judaica
  • Sionismo Cultural: focado na renovação da cultura e língua hebraica, sem necessariamente exigir um estado
  • Sionismo Religioso: baseado na interpretação religiosa da conexão judaica com a Terra de Israel
  • Sionismo Prático: concentrado em assentamentos e construção institucional gradual

Esta diversidade ideológica contradiz a caracterização do sionismo como uma ideologia unificada com propósitos supremacistas ou racistas.

2. Analisando as Acusações: Sionismo e Alegações de Racismo

Acusações Comuns e Sua Contextualização

As principais acusações que buscam classificar o sionismo como racismo geralmente incluem:

  1. Alegação: O sionismo defende a supremacia judaica. Contextualização: O sionismo defende a autodeterminação judaica, não a supremacia sobre outros povos. A Declaração de Independência de Israel (1948) explicitamente garante “completa igualdade de direitos sociais e políticos a todos os seus habitantes, independentemente de religião, raça ou sexo.”
  2. Alegação: O sionismo é um projeto colonial europeu. Contextualização: Diferentemente do colonialismo europeu, que buscava recursos e expansão imperial, o sionismo representou o retorno de um povo original da região à sua terra ancestral. Os judeus mantiveram presença contínua na região por mais de 3.000 anos, e aproximadamente 50% dos israelenses são descendentes de comunidades judaicas do Oriente Médio e Norte da África (judeus mizrahim e sefaradim), não da Europa. A primeira partilha da Palestina do Mandato Britânico, em 1921, com a criação de um país árabe-muculmano proibido para judeus, a Transjordania, hoje Jordânia, e a segunda partilha da Palestina do Mandato Britânico, em 1947, dividindo o território restante em dois futuros países, um judeu e mais um país árabe, fazem parte do processo de descolonização, de desmembramento do Império Britânico.
  3. Alegação: O sionismo exige um estado etnicamente homogêneo. Contextualização: Israel foi estabelecido como um estado judeu no sentido nacional, não como um estado exclusivamente para judeus. Aproximadamente 21% da população israelense é composta por cidadãos árabes, majoritariamente muçulmanos, além de drusos, cristãos e outros grupos.

O Antissionismo e o Antissemitismo: Fronteiras e Sobreposições

Críticas a políticas específicas do governo israelense são legítimas, como para qualquer outro país. No entanto, quando o direito de Israel existir como estado judeu é singularmente questionado, enquanto o direito à autodeterminação de outros povos não é, surgem questões sobre um possível duplo padrão.

O ex-rabino-chefe do Reino Unido, Lord Jonathan Sacks, observou: “Antissionismo é a negação ao povo judeu do direito à autodeterminação que todos os outros povos do mundo consideram como garantido.”

Em 2019, a Assembleia Geral da França aprovou uma resolução que adota a definição de antissemitismo da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA), que inclui entre suas manifestações “negar ao povo judeu seu direito à autodeterminação, por exemplo, alegando que a existência do Estado de Israel é um empreendimento racista.”

3. Israel, Apartheid e Democracia: Uma Análise Comparativa

Estrutura Legal e Cidadania em Israel

Diferentemente de um sistema de apartheid, que institucionaliza a segregação racial, o sistema legal israelense garante igualdade formal a todos os cidadãos:

  • Cidadania igualitária: Todos os cidadãos israelenses, independentemente de religião ou etnia, possuem direito a voto, representação política, acesso a tribunais e serviços públicos.
  • Representação política: Partidos árabes israelenses participam do processo democrático. A Lista Árabe Unida já foi a terceira maior bancada no Knesset (parlamento israelense). Em 2021, o partido árabe Ra’am fez história ao participar de uma coalizão governamental.
  • Sistema judiciário: A Suprema Corte de Israel tem historicamente defendido os direitos de cidadãos árabes. Em 2000, a decisão no caso Kaadan vs. Administração de Terras de Israel determinou que comunidades judaicas não podiam barrar cidadãos árabes. A Suprema Corte possui juiz árabe muçulmano, chamado Khaled Kabub.

Exemplos Concretos de Diversidade e Igualdade

Israel apresenta diversas instituições e exemplos que contradizem a alegação de ser um sistema de apartheid:

  • Saúde: Hospitais israelenses atendem pacientes judeus e árabes sem distinção. O Hospital Hadassah em Jerusalém é frequentemente citado como exemplo de coexistência, com equipes médicas mistas tratando pacientes de todas as origens. A grande maioria da enfermagem é árabe.
  • Educação: Universidades israelenses possuem estudantes e professores de todas as etnias e religiões. Aproximadamente 17% dos estudantes de medicina em Israel são árabes israelenses.
  • Judiciário: Em 2004, Salim Joubran tornou-se o primeiro cristão árabe israelense a servir permanentemente na Suprema Corte de Israel.
  • Forças de segurança: O Corpo de Fronteira de Israel (Magav) inclui significativo número de drusos e beduínos. O programa “Beduínos do Deserto” tem permitido a integração de beduínos às Forças de Defesa de Israel (IDF).

O Dr. Einat Wilf, ex-membro do Knesset, observa: “Israel tem desafios significativos em relação à inclusão e igualdade, como qualquer democracia diversa. Mas equiparar esses desafios a um sistema de apartheid não apenas diminui o sofrimento real dos sul-africanos sob o apartheid, como também ignora a realidade complexa de Israel.”

4. Israel no Cenário Global: Cooperação e Inclusão

Contribuições Internacionais e Cooperação

Israel tem participado ativamente em iniciativas de cooperação internacional que demonstram um compromisso com valores humanitários:

  • Ajuda humanitária: A agência MASHAV (Agência Israelense de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento) oferece treinamento e assistência em agricultura, medicina e educação a mais de 140 países, incluindo nações sem relações diplomáticas com Israel.
  • Missões de resgate: Após o terremoto no Haiti em 2010, Israel enviou uma das maiores e mais rápidas equipes de resgate. Similarmente, após o terremoto no Nepal em 2015, Israel estabeleceu o maior hospital de campo estrangeiro.
  • Avanços tecnológicos compartilhados: Inovações israelenses em dessalinização, agricultura em áreas áridas e medicina têm sido compartilhadas globalmente. A tecnologia de gotejamento desenvolvida em Israel revolucionou a agricultura em regiões com escassez de água na África e Ásia.

Alianças Diversas

Recentes acordos diplomáticos demonstram a capacidade de Israel de construir pontes entre culturas:

  • Os Acordos de Abraão (2020) normalizaram relações entre Israel e Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão, criando oportunidades sem precedentes para cooperação econômica e cultural no Oriente Médio.
  • A inclusão de Israel na Autoridade de Inovação Médica na Emergência Pandêmica, estabelecida durante a pandemia de COVID-19, demonstra seu reconhecimento como centro de inovação médica.

5. Multiculturalismo e Direitos Humanos em Israel

Diversidade Cultural Interna

Israel apresenta uma notável diversidade cultural:

  • Pluralismo religioso: Israel abriga locais sagrados para judeus, muçulmanos, cristãos, católicos, baha’is e samaritanos. Jerusalém contém o Muro das Lamentações, a Mesquita de Al-Aqsa, a Igreja do Santo Sepulcro, Getsêmani e o Jardim do Túmulo em proximidade geográfica.
  • Diversidade linguística: Embora o hebraico seja a língua oficial primária, o árabe tem status especial, e documentos governamentais são frequentemente publicados em ambos os idiomas, além de russo e inglês. Todas as placas de trânsito são grafadas em Hebraico e Árabe, e a maioria também transliterada no alfabeto ocidental.
  • Diversidade étnica judaica: A sociedade israelense integra judeus de mais de 70 países, incluindo comunidades da Etiópia, Índia, Marrocos, Rússia, Estados Unidos e Brasil, cada um trazendo tradições culturais distintas.

Questões de Direitos Humanos: Desafios e Progresso

Como qualquer democracia, Israel enfrenta desafios na área de direitos humanos:

  • Disparidades socioeconômicas: Existem disparidades entre cidadãos judeus e árabes em áreas como educação, emprego e infraestrutura. No entanto, iniciativas governamentais como o Plano Quinquenal para o Desenvolvimento Econômico do Setor Árabe (2016-2020) alocaram aproximadamente 4,3 bilhões de shekels para reduzir essas disparidades.
  • Sociedade civil ativa: Israel possui uma robusta sociedade civil com organizações como a Associação pelos Direitos Civis em Israel, B’Tselem e Adalah, que trabalham para promover direitos humanos e monitorar violações.
  • Progresso LGBTQ+: Tel Aviv é reconhecida como uma das cidades mais LGBTQ+-amigáveis do mundo, com proteções legais significativas para essa comunidade. Israel reconhece uniões do mesmo sexo realizadas no exterior e foi um dos primeiros países do Oriente Médio a permitir que pessoas LGBT servissem abertamente nas forças armadas.

O Professor Sammy Smooha, sociólogo da Universidade de Haifa, caracteriza Israel como uma “democracia étnica” – um sistema que combina extensão de direitos políticos e civis a indivíduos com certo grau de priorização do grupo étnico majoritário. Segundo ele, este modelo apresenta imperfeições, mas é substancialmente diferente de sistemas não-democráticos ou de apartheid.

Conclusão: Distinguindo Crítica Legítima de Caracterizações Imprecisas

O sionismo, como movimento de autodeterminação nacional judaica, não é inerentemente racista – assim como movimentos nacionalistas palestinos, curdos ou tibetanos não são classificados como tal. A caracterização do sionismo como racismo frequentemente decorre de incompreensão histórica ou, em alguns casos, de uma tentativa de deslegitimar a existência do Estado de Israel.

É perfeitamente legítimo criticar políticas específicas do governo israelense, assim como criticamos políticas de qualquer governo democrático. A disputa de territórios, as políticas de assentamentos e questões relacionadas aos denominados palestinos são temas que devem ser discutidos abertamente.

No entanto, é impreciso e contraproducente equacionar o sionismo – a crença de que os judeus têm direito à autodeterminação em sua pátria histórica – com racismo. Tal caracterização não apenas dificulta o diálogo construtivo, como também ignora as complexidades históricas e políticas da região.

Compreender o sionismo em seus termos históricos adequados é um passo importante para discussões mais produtivas sobre Israel.


Referências:

  1. Declaração de Independência de Israel (1948)
  2. Herzl, Theodor (1896). “Der Judenstaat” (O Estado Judeu)
  3. Bureau Central de Estatísticas de Israel (2021). Dados demográficos
  4. Jabotinsky, Ze’ev (1923). “The Iron Wall”
  5. Sacks, Jonathan (2019). “The Mutation of Antisemitism”
  6. Smooha, Sammy (2002). “Types of Democracy and Modes of Conflict Management in Ethnically Divided Societies”
  7. Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA). “Definição Operacional de Antissemitismo”
  8. ONU (1991). Resolução 46/86 revogando a Resolução 3379
  9. Bard, Mitchell (2017). “Myths and Facts: A Guide to the Arab-Israeli Conflict”
  10. Wilf, Einat (2021). “The War of Return”

Nota do editor: Este artigo busca fornecer uma análise informativa sobre um tema complexo. Reconhecemos que existem múltiplas perspectivas sobre o conflito israelense-palestino. Comentários respeitosos e baseados em fatos são bem-vindos.


 

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